Comemorado no dia 3 de dezembro, o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência foi criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1992 e contempla pessoas com todos os tipos de deficiência: física, auditiva, visual, intelectual e múltipla. O seu objetivo é dar visibilidade aos desafios enfrentados pelas pessoas com deficiência, ressaltando a importância de melhorar a qualidade de vida deste grupo por meio da acessibilidade e da inclusão social.
Em razão da data, convidamos a coordenadora do Núcleo Especializado dos Direitos do Idoso e da Pessoa com Deficiência da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Dra. Renata Flores Tibyriçá, para refletir sobre os avanços e as barreiras ainda existentes quando se fala em inclusão escolar de pessoas com deficiência.
A defensora pública, que também é Especialista em Direitos Humanos (USP), Doutora e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, é uma das autoras presentes no livro “Pela Inclusão - os argumentos favoráveis à educação inclusiva e pela inconstitucionalidade do Decreto 10.502/2020". A publicação é uma resposta da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva ao Decreto 10.502/2020, trazendo reflexões e argumentos sistematizados de 62 autores a favor da educação inclusiva e contra o Decreto.
O livro está disponível virtualmente pelo Instituto Alana, que integra a Coalizão, em vários formatos que garantem a sua acessibilidade: PDF acessível, ePub e versão audiovisual, com narração e interpretação em Libras.
Confira a entrevista na íntegra:
Para você, o que significa o termo “Inclusão”?
Inclusão é mais do que estar junto, é poder participar em igualdade de condições com as demais pessoas e, para tanto, é importante reconhecer que a pessoa com deficiência enfrenta barreiras, devendo a sociedade cuidar de remover estas barreiras ou garantir apoios para que sejam superadas.
Sabemos que o Brasil tem evoluído muito acerca da Inclusão Escolar. Contudo, recentemente tivemos a promulgação do Decreto 10.502, que tentou instituir a nova Política Nacional de Educação Especial, considerada como um retrocesso para especialistas da área. Diante disso, poderia explicar por que esta política não foi bem aceita?
Embora a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva precisasse ser revista, considerando que foi publicada em 2008 e que deveria incorporar aprimoramentos a partir de resultados de pesquisas na área da educação especial e também da sua aplicação prática, como inclusive aconteceu em Portugal, esta revisão não poderia acontecer ao arrepio da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e da Lei Brasileira de Inclusão.
Assim, a nova Política Nacional trazida pelo Decreto 10.502/20, ao invés de garantir o investimentos na educação inclusiva, acabou por incentivar também a coexistência de um sistema segregado, inclusive com financiamento público, violando a Convenção, que tem status de emenda constitucional, e a Lei Brasileira de Inclusão.
A partir de seus estudos e prática de trabalho, o que entende como necessário para o garantir o acesso, permanência e aprendizado de qualidade dos alunos com deficiência?
Precisamos melhorar a escola como um todo e precisamos incorporar resultados de várias pesquisas na área da educação especial como desenho universal de aprendizagem, ensino colaborativo, plano educacional individualizado e tecnologias assistivas.
Poderia nos trazer análises dos cenários pré e pós a Lei brasileira de inclusão?
A Lei Brasileira de Inclusão contribuiu para alterar diversas leis a fim de buscar efetivar vários direitos já previstos na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que tem status de emenda constitucional no direito brasileiro. Além disso, a LBI contribuiu por amplificar o que já era garantido na Convenção.
Desde 2014, quando buscou mapear o serviço público de educação disponibilizado pelo estado de São Paulo e pelo município de São Paulo para pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) em sua dissertação de mestrado, em sua experiência, quais aspectos já mudaram a realidade desde então para as famílias?
Acho que hoje as famílias têm mais informações do que tinham antes e a sociedade conhece mais sobre o autismo, porém, ainda precisamos avançar em políticas públicas. Na Defensoria recebemos diariamente reclamações de violação dos direitos das pessoas com TEA em áreas como saúde, educação e assistência social.
Como defensora pública do estado de SP e entendendo que o Brasil vem garantindo a eficácia progressiva do artigo 24 da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, o que faz parte dos seus alvos de estudos no doutorado e pós-doutorado? O que pensa e sugere, num futuro próximo, para que os conflitos entre escola e família e as barreiras de acesso e apoio à inclusão diminuam?
Entendo que o Brasil e o Estado de São Paulo vêm caminhando para garantir a eficácia progressiva do artigo 24 da Convenção e isto fica claro pelos números do censo escolar se compararmos o aumento de matrículas. Mas, ainda temos muitas queixas sobre a falta de apoios nas escolas para pessoas com deficiência e isto tem levado a uma intensa judicialização.
Eu acredito muito que escolas e famílias têm que ser parceiras e isto só é possível quando existe uma espaço de escuta recíproco, quando há espaço para diálogo e acolhimento estes conflitos diminuem. Porém, precisamos também ter uma melhora nos apoios para os alunos, não basta só garantir matrícula, tem que garantir aprendizado.
Como entende o fortalecimento de treinamento e capacitação dos profissionais da educação inclusiva para oferecer, de fato e de direito, um ensino atendendo às necessidades individuais de aprendizagem?
É muito importante que os profissionais da educação inclusiva tenham acesso a programas de formação na área. Além do conhecimento técnico para garantir de fato a inclusão do aluno com deficiência, com eliminação de barreiras e garantia de apoios, conforme as diversas áreas, contribui também para sensibilização do profissional quanto às deficiências, já que não podemos esquecer que todos nós carregamos preconceitos em razão do desconhecimento e uma das barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam também na escola é a barreira atitudinal.
Você acaba de participar de um livro muito importante sobre o tema da Inclusão. Nos conte um pouco mais sobre ele. O que os leitores encontrarão neste livro?
O livro foi organizado pelo Instituto ALANA e pela Coalizão da Educação Inclusiva e traz artigos, entre eles um artigo meu, com argumentos que foram apresentados na audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF) que trata da ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 6590 que discute a inconstitucionalidade do Decreto 10502/20, que no momento está com eficácia suspensa em razão desta ADI. O livro reúne os argumentos favoráveis à educação inclusiva de diversos especialistas de várias áreas, sendo material essencial para quem trabalha na área. O livro está disponível de forma gratuita no site do Instituto ALANA em formatos acessíveis, visando a disseminação destas informações.