Saúde feminina para mulheres com deficiência
O público alvo da saúde sempre foram as mulheres. É o grupo que mais consome cosméticos, dietas, que mais se preocupa com a alimentação e o grupo que mais vai ao médico, segundo o IBGE, (78% das mulheres contra 63,9% dos homens).
Apesar das mulheres serem o centro das atenções nesse aspecto, alguns grupos sempre acabam ficando invisibilizados (ou marginalizados), como pessoas trans e as pessoas com deficiência. Neste artigo, queremos pontuar negligências quando falamos da vida sexual e da maternidade da mulher com deficiência.
Mulheres com deficiência estão presentes em todas as faixas etárias, etnias, raças, religiões, estratos econômicos e orientação sexual. Historicamente, ficaram à margem do próprio movimento feminista e do movimento pelos direitos civis das pessoas com deficiência.
São uma parte da população que conta com ações inexpressivas que atendam suas necessidades nos serviços de saúde mais básicos. Embora historicamente privilegiam a clientela feminina, não reconhecem, ou conhecem muito pouco os aspectos relativos aos direitos sexuais e reprodutivos e à dupla vulnerabilidade: ser mulher e ser mulher com deficiência.
Saúde e vida sexual
Mulheres sempre enfrentaram preconceitos para viver sua sexualidade e maternidade, ainda mais quando habitam um corpo que destoa dos padrões estéticos e enfrentam a descrença da sociedade de que possam corresponder às expectativas de gênero, como assumir os papéis de cuidadora, esposa e mãe.
Muitas vezes, os profissionais de saúde são despreparados em relação às questões ligadas à sexualidade das mulheres com deficiência.
Num artigo publicado no Scielo Brasil, sobre a saúde da mulher com deficiência, onde foram entrevistadas 15 mulheres, cinco eram separadas (três após a aquisição da deficiência), duas eram casadas e oito eram solteiras. Oito mulheres não tiveram filhos e sete são mães de mais de um filho. Das sete mulheres com filhos, três tiveram filhos após a aquisição da deficiência. Isso corrobora o fato de que mulheres com deficiência querem ter uma vida sexual ativa e necessitam de atenção em relação à sua saúde sexual e reprodutiva.
Essas mulheres entrevistadas tiveram a descrença da família de que podiam ser mães, foram negligenciadas por hospitais e centros clínicos e esses ambientes não eram acessíveis para as mulheres com deficiências motoras.
Ainda, segundo o artigo, existe a falta de políticas assistenciais que contemplem as especificidades das mulheres com deficiência; falta de acessibilidade física e comunicacional nos serviços de saúde; falta de sensibilização e capacitação dos profissionais de saúde e a falta de reconhecimento nos serviços dos direitos humanos das mulheres com deficiência.
Violência obstétrica
Apesar da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) garantir que toda mulher com deficiência têm direitos sexuais e reprodutivos e a organização Mundial da Saúde (OMS) dizer que é a falta de acesso a serviços e recursos na assistência constituir um crime contra os direitos humanos na prática, não é bem o que ocorre.
De acordo com a cartilha informativa lançada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPGESP), em 2013, a violência obstétrica se caracteriza pela “apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na vida das mulheres”.
O tratamento desumanizado acontece sempre que a mulher tem sua dignidade violada ou suas vontades desrespeitadas, seja por meio de atos que violem sua integridade psíquica, xingando-a ou depreciando-a, bem como sua integridade física, por exemplo, quando ocorrem procedimentos sem o seu consentimento, tais como: lavagem intestinal, imobilização física, exames de toques constantes e desnecessários, episiotomia (corte cirúrgico na região do períneo para ampliar o canal de parto), cesariana sem anestesia, entre outros. São práticas abusivas, sem respaldo científico, adotadas por decisão exclusiva do médico, sem o consentimento livre e esclarecido da paciente.
Segundo um artigo publicado na Pensar, Revista de Ciências Jurídicas, sobre violência obstétrica, esses procedimentos violentos são mais comuns do que aparentam e são assistidos e praticados por estudantes e profissionais das áreas da saúde.
“A gravidade da situação é, com efeito, inquestionável, e revela violação frontal ao direito fundamental ao parto humanizado, garantidor à gestante da escolha de um modelo não padronizado de parto, que atenda à sua singularidade e personalidade, conferindo-lhe poder de decisão sobre os procedimentos a serem seguidos e aqueles que não deseja que sejam adotados, retomando o protagonismo feminino”, diz o texto do artigo.
Segundo o mesmo artigo, 25% das mulheres entrevistadas afirmaram ter sofrido alguma forma de violência institucional.
A Organização Mundial da Saúde apoia a proposta do parto humanizado, cujo foco está na transformação do nascimento em uma experiência positiva para a mulher e para o bebê, respeitando os direitos e as vontades da mulher e define diretrizes práticas para os variados protagonistas desse momento: mãe, médico, parteira, doula, enfermeiros, etc.
Qual a solução?
Apesar de tantas conquistas das pessoas com deficiências, ainda é um caminho longo para se percorrer quando falamos de saúde da mulher. Queremos conscientizar ainda mais para que essas práticas violentas sejam denunciadas e para que se criem mais políticas públicas para tal reparação para com a saúde e a autonomia das mulheres com deficiência.
Acreditamos ser urgente a instauração de outro olhar e outros contextos assistenciais com práticas de saúde ampliadas, para que os serviços e equipes profissionais possam olhar para essas questões que permeiam as necessidades de saúde dessas mulheres. Devemos olhar para esses contextos de vida para que as preocupações das práticas de saúde se voltem para a realidade dessas mulheres, captando com maior riqueza tanto aspectos psicossociais como socioculturais.
Um mundo mais inclusivo se forma também respeitando os direitos e a autonomia sobre o corpo do indivíduo, respeitando suas escolhas e visando sempre assistir suas necessidades.
Fontes:
https://www.scielo.br/j/csc/a/x4Ct7sJ4krY7wzGH5XX57nR/?lang=pt